A conversa do almoço de domingo fez-me refletir: Em que tempo vive a humanidade? Caro leitor, desculpe minha precipitação, deixa-me tentar me fazer mais claro, ou melhor, aguarde que vou procurar me explicar. Quando me refiro ao tempo na presente crônica, não falo de clima. Não venho por aqui fazer alusões às possibilidades de chuvas, humidades ou calores infernais. Também não paro, nesse momento, para esclarecer-me sobre questões ambientais, como o aquecimento global, massas polares e camada de ozônio. O diálogo anterior a siesta do primeiro dia da semana acendeu meus pensamentos sobre os conceitos de presente, passado e futuro.
Por algumas leituras que perfiz, conheci fundamentos que inclusive rechaçam tais tempos. Seriam eles criações humanas alimentadas pela história? Nesse particular, sem adentrar em tais discussões, aprecio a erudição de Santo Agostinho sobre o tema. Na criteriosa análise sobre o assunto, o intelectual religioso fez talvez a mais importante reflexão sobre o tempo na história do pensamento, conforme o disposto no Livro XI da obra Confissões. Ao analisar o passado, o presente e o futuro, diz em breve síntese: o passado não é, pois é o tempo que se afasta de nós, é tudo que já não é mais palpável, simplesmente porque já se foi. O presente é o “agora”, mas se permanecesse sempre presente e não se tornasse passado, não seria mais tempo, e sim eternidade. Assim sendo, se o presente precisa se tornar passado para ser tempo, ele não é, porque o que é não deixa de ser. O futuro também não é, já que ainda não existe, e quando existir deixará de ser futuro e passará a ser presente, que tão logo já será passado. Após essas constatações, prossegue ipsis literis:
“É impróprio afirmar que os tempos são três: pretérito, presente e futuro. Mas talvez fosse próprio dizer que os tempos são três: presente das coisas passadas, presente das presentes, presente das futuras. Existem, pois, estes três tempos na minha mente que não vejo em outra parte: lembrança presente das coisas passadas, visão presente das coisas presentes e esperança presente das coisas futuras.”
Reconhecida a genialidade para definir o tempo da alma, a teoria agostiniana não ataca o tempo do mundo. Esse tempo é presente, passado e futuro, salvo engano. Porém, em que tempo nós vivemos? Como podemos caracterizá-lo? Na minha infância era muito comum a seguinte pergunta entre meus pares: em que época você gostaria de ter vivido? Lembro-me que diante de tal dilema cada um, assumindo a figura de sua própria vida, dedicava-se a vagar imaginariamente pelas veredas da história, em busca de um tempo em que o perfil de sua existência encaixasse com prazer. Atualmente, o que diria sinceramente qualquer criatura milenar, representativa do presente, se lhe fizessem uma pergunta parecida? Parece-me que não haveria embargos na sentença. A figura do presente não tem dúvida de que sua vida é mais vida que todas as antigas. Ponto final. Sem maiores delongas. Implacável, plena e irrecorrível tal decisão. Desta feita, não há suspeitas sobre eventuais decadências. Não se faz necessário recorrer-se aos clássicos. O passado não é uma continuidade do presente. A afirmação contém a ideia de uma nova era, desvinculada e seguramente melhor.
Pois bem, não é fácil de formular a impressão que nossa época tem de si mesma. Acredita, através de suas personagens, ser mais que as outras. Sente-se um começo, porém sem a certeza de ser uma agonia. Talvez, nosso tempo seja mais que os demais tempos e inferior a si mesmo. Fortíssimo, e simultaneamente inseguro de seu destino. Orgulhoso de suas forças, e ao mesmo tempo, com medo de suas potências. Náufrago no meio de um oceano, que acredita que suas aulas de natação em piscinas aquecidas podem levar a terra firme. Criador de um mundo melhor, que não arruma seus próprios lençóis.