O verbo experimentar, filosoficamente, significa a obtenção de qualquer conhecimento obtido por meio dos sentidos. Quais dos sentidos nos aufere maior aptidão para afirmarmos que de fato extraímos certa sabedoria em nossas experiências? Não tenho essa resposta. O ponto, hora em análise, levou-me a essas reflexões. As experiências não são atemporais. Nas fases de nossas vidas, os sentidos ganham conotações e importâncias diferentes. Experiências vividas em épocas distintas, possuem significados diversos. As experiências que tive em minha vida tornou-me experiente ao ponto de identificar que os significados serão outros, dependendo da época de suas ocorrências. Dessa maneira, a literatura alimenta-nos de novos significados, conforme a experimentamos, em momentos dessemelhantes de nosso itinerário.
A obra de Machado de Assis retrata um exemplo emblemático sobre o assunto. A leitura do autor é recomendada e exigida já nos bancos acadêmicos do ensino fundamental. Críticas e elogios são atribuídos a essa metodologia. Dentre as observações, paira a indagação perene: Qual a experiência que um jovem pode extrair do conteúdo machadiano? Há maturidade suficiente para compreensão da densidade de seu conteúdo? Seus sentidos estão afinados em maturidade para compreensão das metáforas do eterno presidente da Academia Brasileira de Letras? Bem, podemos dar como exemplo o romance Dom Casmurro.
O livro retrata a conhecida história de Bentinho e Capitu. Amor infantil, transformado em casamento na vida adulta. No curso da história, aparece o amigo Escobar. A crise de ciúme instala-se. Torna-se afetada após o nascimento do filho do casal, que com o tempo, passa a ter similitudes significativas com a figura do melhor amigo. O enredo nesse particular é simples. Qualquer adolescente compreende a história. Perfaz-se a indagação eterna acerca da possível traição. Qual o sentido da metáfora da obra? Certo estofo é necessário para sua compreensão. O enredo é entendido, a compreensão é fácil. Inobstante, a experiência é outra, quando o leitor, empiricamente, se apercebe em sua a vivência de experiência semelhante. Maturidade que carece, ainda, aos menos vividos.
A medida em que nos relacionamos e sentimos as dúvidas de Bentinho, a metáfora ganha outra conotação. A certeza de que a vida não nos oferece certezas. Passamos então a viver sobre a espada da dúvida, sobre quase tudo. Vivemos intrinsicamente consumidos por nossas dúvidas, e assim temos que aprender a viver. Será que somos amados? Será que somos relevantes? Tememos morrer com o medo de que iremos fazer falta ou nos amedrontamos com a morte, pois talvez não iremos fazer falta nenhuma? Aprendemos a conviver com nossas incertezas. Que bom! Nas personagens das obras literárias extraímos experiências que nos são próprias. Assim, compreendemos o sentido, da citação espanhola do século XVII, de Calderón de La Barca. Em sua arte O Grande Teatro do Mundo, recita o poeta:
“Sei que, se para ser o homem, escolher pudera, ninguém o papel quisera do sofrer e padecer; todos quiseram fazer o de mandar e reger, sem advertir e sem ver que, em ato tão singular, aquilo é representar mesmo ao pensar que é viver”.
Tornamo-nos, desta feita, mais sensíveis ao mundo. Os surgimentos desses significados, ajuda-nos com a visão de nossos autorretratos, fazendo-nos menos solitários. O exercício melancólico da autorreflexão amadurece e nos faz compreender, ao menos a nossa vida. Já se recomendava em Delfos: “Conhece-te a ti mesmo”. A sabedoria deixa de ser para análise e julgamento do outro. Na extração desse conteúdo literário, pendemos a deixar de ser analistas alheios, e passamos a nos auto enxergar. O demônio dos olhos verdes nos confere um pouco de paz. Machado de Assis deve ser lido, escutado, escrito e visto. Todos os sentidos devem ser empregados para que se multipliquem, cada qual em seu tempo, as nossas experiências.