“Ei rapaz, volte aqui. Abre o olho, ouviu?! Alimentação e repouso – nada de trilha por agora”, comenta Jacaré.
Antes mesmo de virar e acenar-lhe com a cabeça em flexão, como um gesto de concordância, busquei a mata. Passadas responsáveis e preocupadas marcaram a subida da Serra da Tiririca.
Minutos antes conversávamos sobre cicatrizes físicas e psíquicas, filhos, conquistas, troféus, lutas e medicina. Obviamente, o assunto “rótulo” entrou em questão. E exatamente quando pensava em rotular meus pensamentos e dizer para mim mesmo que tudo está bem, avisto um sapo de “bruços”. Rapaz, nunca tinha visto um sapo de barriga para cima, vivinho da Silva, sem interferências do meio natural. Obviamente, a gente pensa numa queda, maldade de um ser humano, um quadro de labirintite ou mesmo o que ninguém iria pensar. “O bicho tem o direito de estar escarrapachado do jeito que ele entender que é”.
Por dias não achava muita graça nas coisas, mas não é que o bendito alterou meu humor para melhor! Sentei, debruçado sobre seu modo sem pudor, descabido, percebendo o sacana me acompanhando com os movimentos do globo ocular – para lá e para cá – eu vi. Ficamos alguns minutos, um estudando o outro, como numa partida de xadrez ou luta. Minha vontade era erguer o bichano e coloca-lo na sua posição habitual, entretanto fui reprovado pelo coração.
O sapo continuara com o mesmo aspecto – pança para cima, pernas largadas, papo derreado – como no final de um próspero banquete. Ao iniciar um pequeno movimento para rodar e inclinar um tronco de árvore por baixo do réptil, eis que desvira como um malandro de circo. E o pior! Não vai embora, não agradece e simplesmente me encara. Indubitavelmente fiquei irritado com o animal, pois minha pretensão desde o início da cena era fazer o bem; mas, infelizmente, o rotulei como um “incapaz de ficar de bruços”. Da trilha mesmo liguei para uma amiga PhD em biologia e perguntei:
“Marcela, sapo fica de barriga para cima?”. A jovem perguntou-me se estava sob efeito de um alucinógeno ou trôpego por álcool. “Óbvio que não, amiga! Eu nunca usei nada, tá doida?
Sempre fui atleta, nem um porre tomei na vida. Nunca, um cigarro ou destilado, experimentei. Faço luta, corro e… Marcela respondeu:
“Está explicado, Marco! Desce e vai beber algo; você está desidratado. E caso não esteja, beba um whisky”.
Essa garotada que se acha PhD em biologia não conhece a malandragem dos sapos… verdade é: julguei o animal pelo seu estereótipo e barriga inconcebível para/com um movimento anormal. Muitas vezes julgamos as pessoas pelas aparencias como, por exemplo, status, vestimenta, posicionamento social, cor da pele, estética e modos de operação psíquica. Vou além… julgamos porque não temos algo mais importante, naquele momento, que julgar outros à nós mesmos. Ao término dessa crônica, Rômulo, meu professor de muay thai, manda mensagem:
“Estou com dor na coxa devido sua canela fina e desculpida de músculos”, parece sorrir, pelo aplicativo, meu jovem amigo. Por um instante paro e reflito: “será que não fiquei um pouco sequelado com tanta pancada que levei hoje não?”. Ricardo diz: “tá evoluindo, você tem gás de bebê. Só precisa aprender a esquivar”. Por vezes me olha e fala: “ficou burro, doc?”. Rômulo sorri e, calmamente, me acerta golpes. E Bárbara? “Tem que virar o quadril”.
Tá todo mundo se metendo na parada…
Mas quem é o jacaré na crônica? Ricardo. O bicho chega de mansinho, quieto, daquele tamanho, todo escondido. Quando a gente vê já era; está o sujeito plantado na sua frente…
Crônica de maluco. Finalizo por aqui. Mas fato é: o sapo existia e de bruços estava.