Estávamos eu e os meus filhos, debruçados sobre um quiosque repleto de guloseimas e coloridas balas num shopping center do Centro de Niterói, quando me lembrei que dias antes, uma pessoa, por algum motivo, decidira voluntariamente por fim a sua vida.
Embora seja um tema desconfortável, até mesmo um tabu social, as recorrentes estatísticas divulgadas pela Organização Mundial da Saúde demonstram tratar-se de um sério problema de saúde pública mundial. Está entre as dez causas mais importantes de morte em adultos, e a segunda causa entre jovens com idade entre 15 e 29 anos, período crítico para a consolidação das habilidades que contribuem para adequada inserção socioeconomica.
Devido a sua importância tem merecido abordagens de diversas áreas do conhecimento como a filosofia, a sociologia, a psiquiatria, a psicoterapia e a teologia. Os ecos questionantes veem desde a antiguidade grega. Lá persistem sem explicação os corpos pendidos de Jocasta e Antigona. Há relatos de Dante, de Shakespeare que dá vida a uma dezena de personagens que tiveram o mesmo trágico destino. O sofrimento do Jovem Werther, do poeta alemão Goethe, expôs a chaga velada no velho continente. Émile Durkheim escreve, em 1897, a visão sociológica no livro Suicídio, que tem merecido releitura atenta nos dias atuais.
Ainda persiste sem resposta adequada o questionamento de como um ser caracterizado por singularidades, mas também um ser social, biologicamente preparado para a cooperação mútua, dotado de afetividade e emoção, que contribuem para sua sobrevivência, ou seja, viver apesar dos obstáculos, decidir voluntariamente interromper sua existência?
Apesar de ser problema identificado desde os tempos antigos, e do aumento significativo da população mundial, há inquestionável aumento nos números de suicídios no mundo.
O mundo contemporâneo e suas tecnologias têm propiciado vantagens na melhoria do viver desde que os avanços tecnológicos sejam meios e não uma finalidade em si. No entanto, caso se descuidem, as pessoas podem viver relações virtuais e líquidas, e fomentarem a permissão da troca de interesses, planos e que podem gerar dificuldades na conclusão do que foi previamente planejado. Por conseguinte, tudo pode ser efêmero e não sólido, e acarretar fortes sentimentos de angústia, insatisfação, frustração, medo, ansiedade e pânico.
Ainda não se tem as respostas para suas causas que decerto são multifatoriais. O que precisamos também entender são os papéis do mal e do sofrimento humano nesta interrupção voluntária do viver. O grande Albert Camus afirmou que o principal problema filosófico é entender o mal e o sofrimento humanos. Em modo diverso colocou-se o pai do cordel brasileiro, Leandro Gomes de Barros, nos versos: “quem foi temperar o choro, e acabou salgando o pranto?”.
A internet e as redes sociais têm tido participação ativa nas milhares de pessoas que buscam a morte voluntária todos os anos por falta de curtidas. Talvez o desamparo eletrônico por ausência de curtidas, ou estímulo a consecução do ato final para por fim ao sofrimento. Umas pessoas encaram a vida como ela é… mais nua que crua; outras não a suportam. Fato é: cometer suicídio deve ser um momento de extremo sofrimento que torna inexorável o desfecho absurdo em oposição ao prazer de viver. Convivemos e lidamos com diferentes tipos de pessoas em nossas vidas e, instintivamente, criamos o nosso mundo de relações pessoais, circundado por feras e perigosas presas como no filme “A Vila”. Voltando ao assunto, perguntei a vendedora de guloseimas sobre o incidente: – Você viu o ocorrido?
“Sim. Caiu ali, bem atrás, logo aqui; ao meu lado”, ela respondeu.
– E você o que sentiu? Ficou chocada? (fiz essa pergunta pela maneira anêmica como ela relatou o incidente).
“Não, moço, estou fazendo curso de primeiros socorros; não ligo para isso não. Depois chegaram a polícia e o pessoal da perícia”, disse.
Enfim, fiquei “baratinado” com o conciso resumo para um evento tão dramático, feito por ela. Ou estou realmente vivendo num mundo de ópio ou a falta de sensibilidade com o ser humano está se esvaindo como o sangue que corre em nossos vasos rompidos. Temos que dar sentido e propósito as nossas vidas, sermos disciplinados para perpassarmos essa espécie de “aprendizado” aos nossos filhos e as micro-esferas que, psiquicamente e por experiências vividas, criamos. Como acabou a história do suicidio no shopping, Marco? Caiu ali; por ali ficou…