Marco Orsini é MD PhD Médico com Formação em Neurologia- UFF. Professor Titular da Universidade de Vassouras e UNIG. Professor Pesquisador da Pós-Graduação em Neurologia – UFF.

Essa foi uma das poucas perguntas feitas por mim para a minha mãe, embora soubesse que me machucaria uma resposta inesperada, mas ela veio como uma libertação.
“Não filho, você é ainda novo”.

Bety – uma mulher muito simples e piedosa – alertou-me que ainda teria tempo para me tornar mais maduro e menos ignorante. Fiz um mergulho dentro de mim mesmo e, literalmente abstraír-me dos excessos do mundo externo. Estou numa viagem de autoconhecimento há tempos, embora saiba que minha subjetividade depende do que o outro diz que sou, como na pergunta feita para minha mãe.

Precisamos um do outro, e desta forma, mantenho-me com sincero desejo que o mundo melhore para todos.

Hoje, é algo torturante e contundente para as pessoas ficarem imersas no espaço restrito de seus próprios pensamentos. A dependencia somente de estimulos externos, o consumismo compulsivo e a falta de diálogo parece que restringiu nossas relações interpessoais. Certa vez, escutei de um professor de medicina que ele dominava oito idiomas; fiquei pensativo e triste. “Puxa, esse homem fala tantas linguas, mas não se faz entender nem com a sua nativa”.
Enfim, hoje tento lapidar o que tenho de melhor e ter sempre algo produtivo a dizer para os que comigo interagem. A coisa mais preciosa da vida é se nós somos fatores de soma na vida de outros… a nossa vida pode ser uma espécie de fator de soma ou de subtração… cada palavra que produzimos estamos puxando pessoas para cima ou para baixo. Se nossas palavras trás à tona e toca o coração de outros, isso já é suficiente para toda uma vida.

Deixo as dedicações acima e parto para uma parágrafo que responde minha pergunta no título. Olhem com astutez essas duas “palavrinhas”: estático e extático. A primeira é uma das representante da imobilidade e da inércia, a ausência de movimentos, o negacionismo para um deslocamento que possivelmente nos tiraria de uma posição fixa. É a condição do fanático, de quem habita a sua certeza como, por exemplo, “a verdade é minha e única”. Os fanáticos erguem barreiras e bandeiras vermelhas em torno deles. Se acham guidelines.

A segunda, com x, vem do êxtase, que quer dizer outra coisa. Esse prefixo “ex” está na origem de estranho, impalpável, estrangeiro, experiência. “Algum de vocês já experimentou ser estrangeiro de si mesmo?”, é extraordinário, mas não parece ser nada nosso. É o que nos faz mudar, o que pode ser bom e/ou ruim, mas, ao mesmo tempo, nos angustia, já que mudar tem a ver com incerteza, ao contrário do habitar, que nos conforta com seus hábitos.

Para os gregos(existanai), a ideia de felicidade é a de sair de si, ver-se como outro de si. ‘Estar fora de si’ é expressão perfeita para explicar esse sentimento. Ou seja, a grande alegria não tem nada a ver com o eu, mas com o outro. Isso me soa como terrível para um metazoario que de bom grado recebe um encéfalo e, com ele, é capaz de voar.

Uma hipótese cruel e algo triste: essa tal burrice contemporânea, do eu que tudo sabe – só não sabe se entregar à falta – tem levado vantagem. Sabem até interpretar resultados de exames sorológicos e tratar pacientes com drogas mirabolantes. Para concluir essa contextualização me pergunto se considero-me burro ou inteligente. Bem, quando penso em inteligência já sinalizo meus botões para Carlos Henrique Melo Reis. Ao pensar no termo burro, minutos são necessários para me calar e parar de julgar as pessoas. Hoje tento sempre melhorar alguém e, infelizmente, quando não gosto de algumas delas o distanciamento social é a melhor opção. Enfim, não existem burros nem inteligentes, pois todos nós temos milhares de falhas internas e externas. Hoje, existem os que tentam fazer algo produtivo para seus pares e os que absolutamente não fazem nada porque não é de interesse próprio.

O sujeito da dúvida fica acuado como uma tartaruga dentro de sua armadura. Às vezes é visto como fraco, mole dos miolos, esquisito, maluco, quando na verdade pode estar fazendo, com seus retalhos psíquicos, o globo andar por meio da abertura para os deslocamentos, para uma mudança que inclua o outro que pensa de um jeito diferente do seu. Mesmo assim, com seu silêncio, o sujeito da dúvida, aquele que sempre terá dívidas com ele próprio, escava buracos para o ser humano passar, como aqueles falas da segunda guerra mundial. No final ele passa, se der tempo.

Essas pessoas não são motivacionais, nem inteligentes, nem palestrantes – elas são só pessoas que usam a empatia. Gostaria que meu avô estivesse vivo- sinto saudades dele. Daquele cheiro que todo avô tem, Gilvan Muzzi sabe que todo vovô tem um cheiro esquisito na camisa e abaixo das axilas. Meu avô, Mario Orsini, poderia ser hoje taxado como um ser inteligente. Morreu com vida, deixando farrapos de roupas, uma bolsa preta onde guardava suas pífias economias e no máximo um par de havaianas. Ele me faz chorar sempre que penso de como me fazia feliz- uma espécie de felicidade que não requer inteligência nem formação.

Dedico essa crônica para um grande amigo médico que me torna sempre feliz quando ao meu lado, Eduardo Paranhos. Deixe um beijo no Luccas e no Gabriel – são “meus filhos também”. Além de Dudu, Leandro Artilles, Henrique Frikmann e Mauricio Santanna também merecem meu carinho, pois se mostraram muito presentes nesse novo processo- não com palavras, mas atitudes.

 

Esqueci de citar um amigo e grande professsor na crônica, Jano Alves de Souza. Ele deve entrar nesse contexto, não seria justo com a crônica. Nos chamamos de jacaré, uma história longa de um paciente que começou a olhar para as pessoas e achar que eram jacarés. Essa estória é real, pois o mesmo possuía uma doença neurológica. Por falar nisso, essa estória que quem toma vacina virará jacaré é verdade? Será bacana, pelo menos eles não enchem o nosso saco.