Andréa Rodriguez de Freitas é uma amiga e excelente neurologista. Já viajou para território francês buscando sua capacitação em toxina botulínica- arte na qual mostra “imaginável” ressonância com as origens e inserções. Indubitavelmente é a melhor nisso – ponto final. Envio meus pacientes com a certeza que serão anatômica e funcionalmente esculpidos do jeito que as lesões lhe permitem. Lesões neurológicas são cruéis- não marcam a pele – elas castram sonhos e objetivos. Pergunto-lhes: “afinal de contas, qual o problema em indicar pacientes para quem é melhor que nós em áreas específicas?”. Se fizéssemos isso com frequência, respeitando nossos limites… deixa para lá… isso não é objetivo do material. Isso não me torna diminuto, mas feliz em saber as mãos lapidadas de ternura e competência os abraçam – sendo metódicas no cerne da palavra. Lembro que essa que vos falo conhece de tudo que ladeia a definição de Medicina.
Creio que pensamos na mesma sintonia, pois não fazemos da profissão uma forma de nos engrandecer por fora, mas um trampolim de indignação interna com a atual forma de não olhar os menos favorecidos. Já fomos mais próximos, mas as circunstâncias da vida nos empurrou para marés distintas – mesmo que na mesma linha do horizonte. Anos antes de minha mãe partir, risadas foram vivenciadas aqui em casa.
Andrea escolhia roupas com Bety Orsini, mesmo daquele jeito encabulado aquela se permitiu. Ficamos, eu e Rosalvo, falando de outros assuntos na sala. Ele operou as amígdalas do Bento. Trouxe uma qualidade de sono e robustez corporal para meu caçula. Bety não tinha qualquer pudor ao corpo e, como trabalhava no Caderno ELA do Globo, ofertava roupas de bom grado para o mundo todo. Ficava rindo de si mesma ao receber roupas de modelagens curtas do tipo modelitos. “Marquinho. Acho que não sabem que sou gorda. Não pode ser. Querem me comprar à qualquer custo… nunca irão”. Realmente ela nunca foi comprada… nem eu… nem Andrea e muito menos Rosalvo. Ser “comprado” deve dar uma sensação amarga no coração, mas com o tempo as pessoas se adaptam à essa forma milenar de se dar bem- assim creio.
Me chamou atenção à forma pura, absoluta e o carinho que Andréa possui com seus filhotes – andam coladinhos – como uma coleção de afetos e apetrechos humanos. Theo e Igor (filhos), assim como João e Bento, vivem para o exterior e almejam algo melhor para outras crianças, mesmo que ainda não saibam a arte de exercer com nitidez pitadas de socialismo nas ruas.
No começo da minha carreira como neurologista era uma espécie de touro acelerado. Percebia, durante essa tentativa de mostrar algo que não era, que minha amiga estava num processo reverso. O motivo? Theo e Igor estavam por emergir daquele ventre simplório e aconchegante. Essa é nossa desvantagem com relação ao sexo oposto – não gerar filhos. Em contrapartida, tentamos ser os melhores pais do mundo – nos restou tudo isso. Eu quero mais dois filhos – isso todo mundo sabe.
Hoje falei para meus médicos, professores Gilvan e Suassuna, que ainda quero ser mais pai, ajudar, me permitir ser contente comigo mesmo e com a humanidade. O segundo me chamou de engraçado – fiquei pensativo. Sorrimos do lado oposto das telas do celular. Suassuna cuida de mim. Fala pouco, assim como Gilvan.
Voltando ao assunto da crônica. As vezes nos perdemos dentro dos nossos pensamentos. Jaqueline diz que sofro crises de ausência – realmente deve ter mais um novo CID . Há cerca de uma década já compreendo minha amiga em sua magnitude límbica; não existe nada mais absoluto que abdicar troços inúteis pelo caminho para afagar esses courinhos cabeludos. No Natal, recebi de Gabriel Ra de Freitas, um grande amigo e médico que nem vale à pena dizer ser o melhor em AVE, várias crianças fixadas num avô que, ao piano, os ensinava a destreza de Fur Elise – composta por L.V. Beethoven.
Theo e Igor, além dos filhos de Gabriel, estavam “gelásticos” auditivamente e emocionalmente nos artelhos do professor Marcos RG de Freitas. Igor e Theo buscam seguir o vovô. Serão futuros gerenciadores de sofrimentos humanos relacionados às ciências neurológicas? Realmente espero que façam algo diferente do que vemos e ouvimos– muitas barbaridades morais e éticas.
O primeiro é mais introvertido; parece “mirabolar” planos e associar suas redes neurais de forma mais meticulosa – não menos humano. É uma espécie de menino cristal; daqueles que Deus coloca para mudar o mundo da sua forma. O segundo me parece mais atirado, provavelmente como o Bento, mas também muito feliz de coração e de uma solidariedade não descrita pela semântica de nosso idioma. Ambos qualificados moralmente.
Após alguns artigos que escrevi e diante de tantas dúvidas dos leitores, decidi ir além às minhas pesquisas e comecei a refletir sobre todo esse processo da evolução da consciência e da humanidade. Creio que nós, embora sejamos médicos distintos, com qualidades e defeitos – somos bons para a sociedade – da nossa forma. O desejo em amar e ofertar o melhor para nossos filhos nos reaproximou. Fiquei bem feliz, pois sempre “nutri” os melhores sentimentos por Andréa. Theo e Igor possuem uma mãe cegonha. Uma mulher que é exemplo de caráter em qualquer lugar que aterrissa sua alma. Raízes de socialismo solidificadas na essência dos marcadores genéticos de Theo e Igor já podem ser notadas. No começo não tínhamos muito diálogo: mesmo assim Andréa nunca se opôs em deixar professor Marcos me ajudar. Tenho certeza de ciúmes naquela época. Sempre nos respeitamos, mesmo sombreados pela distância.
Trocamos, essa semana, fotos de vários cachorros com sorrisos diferentes. Queria dedicar essa crônica ao Theo e Igor, frutos de uma mãe onde habita o amor. Deixo para vocês, meus pequenos amiguinhos, um afetuoso abraço do tio urso. Ao Rosalvo segue uma palavra de carinho. Amo a família de vocês.