Sempre acreditei em Deus. Na verdade não consigo defini-lo, mas creio que seja algo que esteja ladeando nossas ações e nos mostrando que é bom viver em harmonia. Durmo e acordo agradecendo, pois a cada dia posso ajudar novas pessoas. Não frequento missas, procissões, eventos, tampouco me entrelaço com figuras divinas. A minha conta só aumenta com Ele, pois sempre tento fazer algo melhor ao dormir.
Em meados de 2013, após uso de medicamentos pesados para uma síndrome que adquiri na infância, padeci de tuberculose pulmonar. Uma tosse sorrateira, ausência de febre e perda ponderal expressiva. Assim foi a marcha da minha história. Acreditava que seria um quadro de depressão pelos últimos dias da minha mãe, pela separação com minha ex-mulher ou por não conseguir ter sossego psíquico. Não era. Reclamei com um amigo, que me faltava ar durante alguns treinos de jiu-jitsu – eu estava realmente esquisito. Vovó reclamava que minha alimentação era péssima. Verdade nua e crua. Não sinto prazer em comer. Uma simples xícara de café com leite e um pão com queijo minas me satisfazem.
Recebi o diagnóstico de tuberculose pulmonar pelo professor e amigo Luis Maurício Ramos (cirurgião torácico) e fui prontamente mimoseado por Gilvan Muzy, antes um professor carrancudo e antipático da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Esse de quem falo mudou a minha maneira de pensar sobre o processo vida e morte. Existiria uma pequena possibilidade de ser uma lesão maligna, posteriormente descartada. Pensava todos os dias em como seria a vida de João e Bento sem a minha presença, chorava internamente\externamente, sentia dores horríveis na medida em que o remédio agredia os bacilos e, esses irritados, alfinetavam minha pleura – uma espécie de capa que reveste nosso pulmão. Acordava e dormia com medo por nove meses. A terapia fora estendida, pois o medicamento que utilizei baixava minha imunidade humoral.
Gilvan Muzy se tornou algo que não consigo descrever. Guardo o momento do sepultamento da minha mãe; lá estavam Gilvan, Luis Maurício, Marcos Freitas e Marcão Araújo, esse último um irmão que Deus colocou para tomar conta dos meus passos. Também estavam lá alguns políticos. Não sei se buscavam ganhar votos. Excluo o atual prefeito, pois parece que representava sua esposa, que segundo soube era leitora da minha mãe. Lembro de um garoto com pretensões políticas, que após uma semana do falecimento de mamãe, pediu para que eu interferisse pelo apoio dela. Mamãe não se envolvia em política, hoje nem apoio espiritual poderia dar, respondi. Ele não sabia do falecimento de Bety Orsini, mesmo o pai estando presente ao velório. Estão vivos muitos fatos desse dia terrível da minha vida, que tento esquecer. Um deles foi quando tentei abraçar minha ex-mulher para dizer-lhe algo bonito, mas recebi suas costas. Ela tinha os seus motivos… isso é normal e inerente do ser – humano.
Ao descer o gramado do Parque da Colina de mãos dadas com Maria Felinto – uma funcionária que está conosco há cerca de 30 anos, pedi-lhe o ombro para chorar. Nesse momento Gilvan se aproxima e exclama: “Marco, como você está?”. Respondi que com dores horríveis e ainda com tosse. “Professor, ainda não melhorei”. Ele sorriu e disse: “Filho, você irá melhorar, precisa ter calma”. Não entendi aquele sorriso…intrigou-me. Acho que meu Professor queria dar-me um abraço, mas sua “sutileza” e capa de proteção não permitiam.
Passados cerca de dois meses após o início do tratamento, vovó recebera uma ligação de Gilvan. Pousei em casa e prontamente fui interpelado por Dona Amélia. “Marco, Dr. Gilvan quer falar com você”. Tomei um susto. O que mais poderia estar errado na minha vida…troquei minhas roupas, vesti alguns trapos e fui ao encontro do professor. Sempre de olhos abertos, testa franzida, músculos faciais irritados e semblante não muito agradável, Gilvan puxa de seus arquivos uma ficha que possuía de meus atendimentos quando era criança e fala: -“Não sei como aconteceu, o estado do seu pulmão sumiu, você está curado, deve ter sido obra da sua mãe”. Perguntou-me:- “Marco, você acredita em Deus?”. “Acredita que sua mãe subiu um pouco mais cedo para lhe ajudar?”. De seus olhos as lágrimas brotavam… pedi a gentileza de poder abraçá-lo e ali fiquei por alguns minutos.
Sempre falo com professor Gilvan e Tânia, sua esposa. Penso que tínhamos uma relação muito forte, que algum momento da vida iria gerar tamanha reciprocidade. Ao sentir falta desse casal, visito, encosto em seu cantinho no sofá, afago sua cabeça, abro a geladeira e digo sempre que ele permite – Professor eu o amo.
Quero dedicar essa crônica para Bety Orsini e Deus. Vocês me permitiram desfrutar mais um pouco dessa vida ao lado de meus\seus filhos. Espero por aqui ficar, até que minha função não faça mais sentido. Quero ter mais filhos e ser avô. Quero viver. Quero poder ajudar outras pessoas a viver. Dedico essa crônica para Deus. Não lhe conheço, mas agradeço por tudo. Quanto ao professor Gilvan, não tenho o que falar.
Somente para deixar em texto: Victor Luiz Bon, amigo que perdi pelo COVID, agradeço o zelo e carinho que sempre teve comigo nas tomografias realizadas na ProEcho e ao Cláudio Morales pelos exames de sangue.