Escrever não é fácil, pois precisamos estar inspirados e decididos. Às vezes procuro criar algo para vocês – durmo pensando nisso, acordo pensando nisso – e nada. Eventualmente emergem propostas de idéias em forma de neblina serrí, mas que são incapazes de chegar do meu córtex aos artelhos do computador.
Ontem estava conversando com duas amigas que possuo déficit visuo-espacial e uma capacidade horrível de só ouvir quem me desperta curiosidade, sinceridade e fala do coração. Na medicina sempre fui péssimo em assistir aulas de congressos – são chatas. Poucos professores me “perturbam” e, de sobremaneira, colocam-me no meu “lugar”. Fico apaixonado pelas aulas de Acary Bulle, Marcos RG de Freitas, Marco Araújo Leite e Carlos Henrique Melo Reis – esse último, quando inicia qualquer bate-papo, é capaz de dispensar em meu sistema auditivo algo raro – atenção. “Como aquelas orelhas de cachorros que se levantam instintivamente”. Escrever é próximo a uma sinfonia – falar não é tão difícil.
Muitas vezes tenho cara de bobalhão porque reajo de forma muito lenta, principalmente quando percebo que defronte de mim estão “idiotas” no cerne da palavra. Esse ano farei um esforço “hercúleo” para um segundo doutorado em filosofia. Em contrapartida, tenho dificuldades para entender coisas fáceis da vida como, por exemplo, trajetos de ruas, explicações sobre investimentos financeiros e algumas indiretas que recebo de colegas médicos. É fato que não me abalam, pois quando algum amigo me sinaliza, eles já foram embora. A gente tem a vaidade da gente, a gente se alegra, mas não creio ser de extrema importância. Importante é ruminar intelectualmente e buscar algo produtivo para outras pessoas. Gostaria muito de não ter prazo para entrega de coisas que escrevo.
Uma vez um grande amigo me disse “Marquinho, você tem o ar de ser facilmente surripiado: é realmente verdade que você não possui essa capacidade de fuçar o mal da sociedade ou não “pesca” pensamentos maliciosos?”. Respondi não é que seja crédulo, mas lidar com gente que não é gente me deixa com preguiça.
Ontem senti falta do meu avô. Na parte traseira de nossa casa em Charitas existia uma piscina de, no máximo 9m² – acho que menos. Os azulejos eram verde-claro e nessa possuía um degrau. Ali me sentia à vontade com vovô, que sempre me traz a cabeça um turbilhão de informações lindas e difíceis de processar. Ele era um grande homem. Eu o amava. Brincava algumas vezes com minhas primas – que pela correria da vida pouco as vejo. É fato que já fui convidado duas vezes em 10 anos para ir à casa de Angra do meu tio, mas, sinceramente, não acho graça andar de lancha e ficar comendo camarões na rede. Acho monótono: creio que por isso, nunca fui mais chamado. O frio de Itaipava é melhor, principalmente se estiver na companhia de alguém que eu ame e admire.
Sei que falar e expor nossas ideias no Brasil é um grande problema. Sinto em todos os setores um odor fétido e uma dificuldade de substituição de ideias, senão por mentes joviais e não afetadas por atitudes cancerígenas antigas. Sempre que posso fico sozinho e retiro-me dessa sintonia “mundial”. Hoje, por exemplo, enquanto escrevo observo um urso de pelúcia que virou o melhor amigo do nosso cachorro. Não troco mais esses momentos engraçados e puros por reuniões de medicina infestadas de arrogância e narcisismo. Prefiro a solidão e minhas arrudas. Sempre observava minha mãe lendo… isso me estimulou bastante.
Comentam que escrevo parecido com a Bety – para minha pessoa seria uma honra ter esse dom, mas só escrevo quando penso nela. Porquanto, essas palavras quando digitadas, emergem de lembranças vividas e exclusivas do meu córtex. Eu somente replico o que minha velha me ensinou.
Ontem, após conversar com Vinicius disse que as três coisas mais importantes na minha vida são meus filhos, a medicina e uma vontade enorme de tornar feliz quem está ao meu lado, independente de quem seja. Também adoro jabuticabas – elas são simples, mas parecem olhar dentro de nossos olhos – frutas sinceras.
Queria dedicar essa crônica para Jacqueline Fernandes do Nascimento e Carlos Henrique Melo Reis. Leitores: sei que hoje estou em falta “enormíssima” com vocês. Não parece nada demais, talvez alguma fase de fecundo e cansaço. Hoje me sentiria mais à vontade de falar em Deus, sem selecionar temas. Gostaria de pedir desculpas por esse sanatório moral e doentio que os seres humanos estão fazendo aqui embaixo.