Essa crônica parece profunda e melancólica, embora não seja o objetivo primário. Mas a pergunta que se impõe é simples: o que realmente nós queremos? Saber a resposta é indispensável nos tempos atuais. Talvez descubramos que poucas coisas colocamos acima de tudo no mundo – no meu caso João e Bento, o amor pelos meus pais, a felicidade de meus pacientes e a gratidão que tenho por alguns educadores.
O que precisei para obtê-los? Amor, obstinação e tempo. Lembro dos primeiros contatos que fiz com o professor Marcos RG de Freitas; do meu ponto de vista o melhor neurologista em atividade do Brasil. Na verdade já alcançou o mundo há tempos, mas sua simplicidade, seu jeito introvertido e seus objetivos de vida felizmente não lhe fizeram tal status parecer um troféu.
Lembro-me que acompanhei Marcos por nove anos no Serviço de Neurologia da Universidade Federal Fluminense. Recebi uma cópia de seu trabalho de Professor Titular com uma simples assinatura “Para Orsini – com o Abraço do Marcos” – ele sempre foi assim – não espero que vá mudar agora. Já em minha defesa de Doutorado terminou com a seguinte frase: “Orsini ainda escreve com alguns vermelhos (erros), mas melhorou desde que entrou aqui”.
Há cerca de 1 semana atendi um paciente com Doença de Charcot-Marie-Tooth que perguntou-me se tinha conhecimento da enfermidade. Foi inevitável inclinar e rodar o pescoço para o alto e fazer-me lembrar da presença e dos ensinamentos ofertados de bom grado desse grande amigo. Às vezes implicava com Marcos. Ao chegar, estando ele rodeado de estagiários, dava-lhe um beijo no topo da cabeça. Alguns residentes, mestrandos e doutorando me olhavam como se fosse um afronto. Me deixava rir por dentro, pois sabia que ninguém brigaria por receber um beijo na cabeça. Com o sofrimento dos pacientes e todo o entorno que torna nosso povo sofrido e humilhado, procurei esconder meu mau humor.
É inútil empurrar um gesto birrento que nada nos concede. Se não guardo mágoas imagina objetos. Quanto abro meu armário não tenho gosto de usura em vê-lo repleto de coisas. Meus amigos falam que minhas bermudas deveriam estar acima do joelho, que eventualmente, minto, quase sempre não combino as peças e pareço um desvairado. A maioria das roupas que recebo, meus amigos sabem o destino. Creio que a felicidade, para ser conseguida, precisa ser duramente perseguida pelos seres humanos. Parece algo atraída por modos, “grifes”, conselhos e meios criados pela estupidez dos outros.
Quem são os outros? Qualquer pessoa que não nós – em nosso interior. Raramente temos coragem de nos encarar e dizer: “Por que ou por quem estou fazendo isso ou aquilo? Sempre nossa consciência nos responderia, se lhe dada direito de resposta. “Por ti, idiota”. E quando os palhaços choram? Diria os para um remodelamento emocional… o de nada a fazer… pois eles devem continuar alegrando quem necessita de carinho, risos e esperança.
Crônica dedicada aos meus filhos João e Bento.