O novo coronavírus trouxe ao cenário científico a urgência de se criarem pesquisas capazes de discutir algumas de suas características e consequências. Nesse contexto, pesquisadores de Laboratórios e Núcleos de pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) desenvolveram em cooperação uma pesquisa transdisciplinar sobre o comprometimento do sistema nervoso central frente à exposição ao SARS-CoV-2, o vírus causador da COVID-19.
O artigo científico chamado “Interações psico-neuroimunoendócrinas na COVID-19: potenciais impactos na saúde mental”, publicado na Frontiers in Immunology, objetiva discutir como o vírus pode levar a alterações psiquiátricas e levantar questões que possam identificar um prognóstico em termos de saúde mental após a pandemia, considerando diferentes hipóteses.
Participam dessa parceria a professora Priscilla Oliveira Silva Bomfim, coordenadora do Núcleo de Pesquisa, Ensino, Divulgação e Extensão em Neurociências (NuPEDEN/UFF), Elizabeth Giestal de Araújo e Pablo Pandolfo, todos docentes do Programa de Pós-Graduação em Neurociências (PPGN/UFF) e o professor Wilson Savino, pesquisador e docente titular da Fiocruz. Também colaboram com o estudo o estudante de Medicina da UFF Ícaro Raony Marques dos Santos, além de Camila Saggioro de Figueiredo, doutoranda do PPGN/UFF.
As perguntas que fundamentam o trabalho tratam de algumas questões primordiais. Primeiramente, como o vírus acessa o sistema nervoso, quais os danos prováveis a curto, médio e longo prazo e também as causas do comprometimento da saúde mental. A seguir, quais as consequências psicológicas da COVID-19, considerando diferentes aspectos como economia, impacto do isolamento social, entre outros. Por fim, os possíveis efeitos colaterais da COVID-19 na saúde mental após a pandemia.
“A abordagem transdisciplinar dessa discussão considera a relação entre alterações imunológicas observadas em pacientes com o coronavírus e o possível comprometimento do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA), incluindo o desequilíbrio na regulação do cortisol (hormônio do estresse) em relação ao desenvolvimento das manifestações psiquiátricas observadas nas pessoas com a doença”, narra Priscilla.
A pesquisadora pontua que essa reflexão gerou mais perguntas do que respostas e que várias hipóteses foram levantadas sobre como esse novo vírus pode afetar a saúde mental dos indivíduos. A sensação de insegurança gerada pelo medo de contrair a doença ou medo do desemprego, por exemplo, por si só já aciona o sistema que responde ao estresse físico ou psicológico e acentua ou atua como gatilho para o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos. Os pesquisadores levantam a possibilidade de as pessoas desenvolverem alterações psiquiátricas durante ou depois do isolamento social, tenham sido elas infectadas ou não.
“Existe um risco verdadeiro de estarmos caminhando em direção a um prejuízo social em grande escala, pois é provável que uma pandemia de transtornos mentais como consequência da que vivemos agora aconteça. Não estamos perto do fim de tudo isso; portanto, é necessário reunir esforços para desenvolver estudos que possam mitigar essa nova crise que está por vir. Isso ajudará a criar novas estratégias para outras situações críticas que podem vir futuramente”, alerta a docente.
A doutoranda Camila Saggioro declara que esse trabalho, além de ser uma reflexão fundamental nessa pandemia da COVID-19, também confere direcionamentos para a realização de estudos clínicos e o desenvolvimento de pesquisa básica, ambos muito importantes para entender como o vírus pode levar a danos para a saúde mental. Na pesquisa, foram discutidas também algumas ações que podem ajudar a reduzir os danos causados pelo estresse do isolamento social, sendo importante e urgente orientar a população sobre como melhorar e tentar manter a saúde mental na pandemia.
Para Ícaro Raony, o estudo propõe uma reflexão à luz de fatores sociais e biológicos determinantes para o adoecimento psíquico diante da COVID-19. Além disso, o estudante aponta que há muita preocupação em relação aos impactos diretos do isolamento social na economia; porém, pouca reflexão sobre os problemas econômicos associados aos transtornos psiquiátricos.
“Estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que só a depressão e a ansiedade possuem um impacto econômico global de um bilhão de dólares por ano. Quando se associa esses dados com o fato de que o Brasil é o país ‘mais ansioso’ do mundo e com as evidências de que o isolamento social e a COVID-19 podem desencadear ou exacerbar transtornos de ansiedade e depressão, há a percepção de que são urgentes as ações que possam diminuir os impactos da pandemia na saúde mental e, consequentemente, sobre a sociedade e a economia”, destaca o estudante.
Por fim, a professora Priscilla destaca ser necessário que as autoridades deem atenção à saúde mental dos cidadãos, para prevenir e tratar as questões dessa área adequadamente. “Se a população for acompanhada de perto a longo prazo, será possível gerar dados que apontem o quão devastadora uma pandemia pode ser psicologicamente. Cientistas do mundo todo estão trabalhando para responder essa pergunta, mas é preciso que o resultado vá além e chegue nas entidades competentes para guiá-las na elaboração de políticas públicas. Ao fazer a sociedade voltar o olhar para esse tema, a pesquisa foi bem-sucedida. Assim, a ciência cumpre seu papel em prol do desenvolvimento social do país”, conclui.