Há cerca de oito anos, após o nascimento de meu primeiro filho, mudei alguns comportamentos e hábitos. Passei a encarar a vida com mais naturalidade, com menos cobranças, com mais amor e, sinceramente, com menos medo. Passei a não discutir e recriei-me em tornar um “adulto-criança” em situações várias; obviamente sem perder a racionalidade de um metazoário na idade adulta. Eu adoraria dizer para os leitores que o medo, uma sensação primitiva e inerente de várias espécies, não deveria existir. Em contrapartida, ele também nos “protege” do ponto de visto físico e psíquico, precavendo-nos de situações que nos colocam em risco eminente.
Alguns pacientes me perguntam se tenho medo diante da vida e das situações que encaro no consultório. Repentinamente respondo “não hoje”. Aprecio a foto dos meus filhos, da situação de outras pessoas que de nosso suporte precisam e das adversidades desde os primórdios históricos. Alguns me perguntam por quê? Afirmo que desde a adolescência possuía uma capacidade e habilidade incríveis de “arruinar” alguns dos melhores momentos. Isso ainda ocorre, mas de forma menos catastrófica, nos dias atuais.
Em contrapartida, sempre que acordo enalteço o dia como “perfeito” e melhor que o anterior. Não acham? Se o medo nos castrar a nossa habilidade de seguir em frente, de doar-nos para outras pessoas, de sentir o amor e a dor, esse é o “medo patológico”. Temos a chance de continuarmos amanhã, e depois de amanhã, e depois disso. A coragem, ninguém pode a ofertar a si mesmo. No atual momento vamos buscar encarar o medo de forma estratégica e racional. Fora as medidas de proteção e orientações que recebemos, lutemos psiquicamente contra um obstáculo ainda desconhecido.
Essas abordagens midiáticas podem ser mais letais do que a doença em si. Peço às famílias que tentem equalizar e equilibrar as informações. Vamos falar dos casos e, obviamente, das mortes com preocupação, mas também com pitadas de otimismo. Tratemos do processo vida e morte durante à pandemia atual como um cenário horrível e avassalador, mas tenhamos força para nos mantermos equilibradas pelos nossos filhos, nossos amigos, por estarmos vivos e, principalmente, pela nossa capacidade de resiliência e de podermos nos ajudar. Dedico essa crônica aos meus filhos João e Bento, além de seus coleguinhas da escola Miraflores. Gostaria também de dedicar essa crônica para a Dra. Julia Fernandes Eigenheer, minha grande amiga e psiquiatra – mãe da Lis, e ao Dr. Victor Luiz Bon, que faleceu por Covid-19. Era um grande médico e um amigo do coração.