Com o avanço da pandemia de COVID-19, a comunidade científica discute a eficácia e necessidade de métodos de proteção contra a transmissão do vírus, como o distanciamento social e o uso de máscara facial. Sobre o distanciamento social, a Organização Mundial da Saúde (OMS) orienta que o afastamento ideal entre pessoas em locais públicos deve ser de, no mínimo, dois metros. Inicialmente, a OMS também aconselhava que apenas pessoas confirmadas com a infecção deveriam usar máscaras e que essa medida impediria a transmissão. Porém, nas últimas semanas, a alta taxa de propagação do vírus em diferentes lugares do mundo levantou uma preocupação entre os cientistas a respeito dessa primeira prescrição do uso de máscara.
Considerando que pessoas infectadas que não desenvolvem sintomas da doença se tornam potenciais transmissores quando não há o uso generalizado de máscara em espaços públicos, o professor Daniel Stariolo, do Departamento de Física da UFF, desenvolveu recentemente um estudo intitulado “COVID-19 in air suspensions” (COVID-19 em suspensões pneumáticas). O intuito é o de compreender como o novo coronavírus se movimenta no ar e os impactos disso em sua transmissão. “Do ponto de vista matemático, essa pesquisa fornece uma estimativa que responde quanto tempo o vírus pode permanecer suspenso no ar em um ambiente fechado, e qual o seu alcance antes de ser depositado no chão ou em alguma outra superfície. Os resultados obtidos evidenciam a necessidade do uso de máscara facial em espaços públicos por todos”, ressalta o docente.
Para entender melhor a pesquisa, leia a seguir a entrevista com Daniel Stariolo:
O que o impulsionou a desenvolver esse estudo?
- No final do mês de março foram publicados alguns artigos em revistas internacionais de áreas de saúde que despertaram minha atenção sobre a transmissão do novo coronavírus. Estudos preliminares desenvolvidos com equipes médicas em atendimento à COVID-19 indicaram a presença do vírus em partículas muito pequenas, denominadas aerossóis. Os aerossóis são mais conhecidos nos desodorantes, por exemplo, mas os seres humanos também os emitem quando falam, respiram, tossem ou espirram. Minha intenção era verificar se é possível calcular de forma rigorosa o tempo de permanência dessas partículas contaminadas em suspensão no ar. Esses questionamentos me motivaram na dedicação a esta pesquisa, pois são relevantes para demonstrar a necessidade dos métodos de prevenção ao contágio.
No ponto de vista da física, como ocorre o movimento desses “aerossóis” no ar?
- As principais características que determinam o movimento das partículas no ar são massa e tamanho. Normalmente, há uma distribuição desses atributos em um aerossol. Entretanto, na transmissão do novo coronavírus, quando uma pessoa infectada tosse ou espirra ela emite uma certa quantidade de gotículas de saliva com diversos tamanhos, que vão desde micrômetro até milímetros. As gotículas maiores caem rapidamente no chão em razão de seu peso, enquanto as muito pequenas podem ficar flutuando no ar.
Quais foram os resultados obtidos?
- Para calcular o tempo de decaimento até o solo e a distância percorrida por uma gota de maior tamanho utilizei um modelo físico simples de queda livre. As conclusões da pesquisa demonstram que as gotículas maiores, embora caiam no chão rapidamente, podem chegar a uma distância horizontal na faixa de um a três metros do lugar onde um emissor espirrou ou tossiu. Esse resultado está de acordo com as recomendações da OMS sobre a importância de manter um espaço mínimo de dois metros entre as pessoas em locais públicos. Já os resultados mais interessantes dizem respeito ao que acontece com as microgotículas. Empregamos um modelo de movimento em um meio viscoso que detectou que, desde que o ambiente não tenha correntes fortes de ar, as gotículas pequenas, que são muito mais numerosas do que as grandes, podem permanecer por horas suspensas no ar. Os cálculos predizem que o tempo varia desde alguns minutos até mais de 15 horas. Os vírus suspensos isoladamente podem ficar no ar por mais de um mês, de acordo com os recentes resultados experimentais sobre a estabilidade do vírus na atmosfera. Isso mostra como uma pessoa contaminada desprotegida pode ser potencialmente mais perigosa para pessoas saudáveis que respiram ao redor.
O que esses resultados apontam sobre os métodos de prevenção ao contágio do novo coronavírus?
- O caráter desta pesquisa é de fundamentação científica de resultados que, até o presente momento, aparecem dispersos na literatura médica e epidemiológica pós-pandemia. Os resultados são relevantes para pensarmos na situação dos ambientes fechados. Junto às restrições de circulação e ao distanciamento social, o uso difundido de máscaras em locais como supermercados, hospitais, cabines de avião ou mesmo shoppings é altamente recomendado.
Quais as expectativas sobre os impactos dessa pesquisa cientificamente?
- Neste momento em que a pandemia de COVID-19 continua se espalhando pelo mundo, existe um grande número de perguntas em aberto sobre como o vírus se espalha e por que o contágio dessa doença em particular é tão rápido e eficiente. A principal dúvida que ainda resta a respeito do processo de transmissão do vírus é o potencial infeccioso, ou seja, qual a concentração mínima de vírus deve existir em um aerossol expelido por pessoa contaminada para torná-lo potencialmente contagioso. A resposta para este questionamento ainda não foi encontrada pela ciência, mas ela é fundamental e muito complexa, pois envolve conhecimentos detalhados sobre os mecanismos de funcionamento do vírus. Essa conclusão só será possível através de pesquisas multidisciplinares, abrangendo áreas das ciências químicas, biológicas, físicas, matemáticas, entre outras.
Como se sente em colaborar com conhecimento científico, neste momento difícil no Brasil e no mundo?
- Pensei muito sobre como poderia contribuir para o entendimento da pandemia de COVID-19, como professor universitário e pesquisador da área de Física. O acúmulo de conhecimento científico é um processo lento que necessita de esforço coletivo e, no atual contexto, mundial. Avança a passos curtos, muitas vezes despercebidos, em diferentes cantos do planeta. No mundo moderno não existe ciência puramente local. No trabalho científico que desenvolvi ao longo da vida, sempre fiquei entusiasmado com esse movimento de construção dos saberes. Embora estejamos em um contexto difícil em muitos sentidos, minha vontade continua sendo participar dessa construção coletiva do conhecimento, e essa pesquisa é mais uma parte da dinâmica científica multidisciplinar que ascende no atual cenário.