Partindo do pressuposto que devemos ficar isolados e, deliberadamente evitando polêmicas desgastantes sobre este ou aquele método de combate à pandemia, se faz necessário ver o momento presente com os olhos do rosto, os olhos da mente e os olhos da alma. A longevidade e o grau de evolução da nossa espécie dependem fundamentalmente da capacidade humana de adaptação a circunstâncias imprevistas, algumas extremamente hostis. Estamos exatamente num destes especiais momentos em que o destino nos exige uma conduta para a qual não houve preparação, uma peça de teatro que se exibe sem ensaio e cujo roteiro é inventado pelos atores ao atuar. Vivemos agora, mais do que sempre, o campo do puro improviso. E isso é bom.
Antes que haja revolta com o que escrevo, vale a ressalva: é lamentável que passemos por isso, mortes, sofrimento, medo. Todas essas coisas são nefastas e indesejáveis, merecendo o mais profundo esforço social para sua reversão. Neste contexto caótico surgem desencontros, confrontos ideológicos, oportunismos políticos e dor. Mas aparecem também os heroísmos, como os dos profissionais da saúde, que desafiam o perigo da contaminação por um vírus ainda muito pouco conhecido para cumprir uma missão bela e árdua. Registre-se que ninguém em sã consciência se sente feliz pela ocorrência desta doença e que o desejo de sua superação, por tratamentos adequados, pela invenção de uma vacina ou por outro meio qualquer, está presente nas preces de toda a humanidade. Ponto.
Dito isto, podemos nos concentrar em viver da melhor e mais feliz forma possível este período. É uma opção. Ela existe e se oferece como uma verdadeira benção em meio do imponderável. É preciso querer se feliz agora, diante de todo o desconforto da falta de liberdade e da natural dependência que o ser humano possui de viver agregado aos outros. Isto não significa aderir a tendência defensiva da mente de “negar os fatos”, fingir que nada nos oprime ou ameaça, partindo para uma irresponsável contradição à realidade posta. Fundamentalmente, aceitar a integralidade dos fatos que não controlamos consiste no primeiro passo para a cura da perplexidade gerada pelo inusitado: ok, isso existe e pouco posso fazer pera resolver, mas o pouco que posso fazer é absolutamente essencial. Ver com os olhos do rosto, saber o que acontece. Ver com os olhos da mente, lidar com o real sem dele fazer tragédia maior do que a que já existe, não se render à histeria, ao pavor. Há muitas pessoas se deprimindo voluntariamente, algumas surtando, simplesmente por se alimentarem exageradamente de informações e desejarem esperar o pior. Delas se ouve que está tudo muito mal, só repassam informações aterrorizantes, propiciando um estado emocional pesado e desesperançoso. Tornaram-se presas fáceis do pessimismo e rejeitam qualquer mensagem positiva ou encorajadora. Repito: é uma opção.
Por sorte há os que racionalizaram o medo, equacionaram suas vidas de forma a atender ao que se exige de cada pessoa, buscando extrair de suas novas realidades momentos e experiências que não seriam possíveis na vida “normal”. Percebem a incrível oportunidade de viver a intimidade com pessoas extraordinárias, sua família, com uma dedicação antes impossível. Põem sua criatividade para funcionar e inventam momentos memoráveis, com jogos, orações especiais, comidinhas caprichadas, filmes assistidos juntos. Solidarizam-se com a necessidade do mais próximo e ajudam-se mutuamente a arrumar a casa, a estudar e trabalhar à distância, a executar as missões de cada um. Viram os fatos com os olhos do rosto, enxergaram tudo com os olhos da mente e, finalmente, acrescentaram o glamour e fé com os olhos da alma. Ninguém impôs o isolamento do ser. Basta isolar o corpo, evitar as ruas. Mas a tecnologia permite que corações e mentes estejam juntos, em salas de aula, no trabalho, na religião, na convivência com parentes e amigos, tudo a nossa disposição. O amor não se rende, não desiste, não fraqueja. Ele vence tudo. Essa é a melhor das opções.