O Brasil indecentemente passará a autorizar, com ressalvas, consultas pela internet ao invés de investir na formação dos profissionais da saúde e, algumas vezes, em melhorias das condições precárias que atuamos. Hipócrates, o “Pai da Medicina”, intuiu a necessidade de escutar os pacientes para a tentativa de um possível diagnóstico – hoje mais facilitado pelos exames de imagem.
“Marco, imagina um paciente ligando com queixa de fortes dores na cabeça – o que respondemos?”, perguntei para o meu amigo e professor Marco Antônio Araújo Leite, que de bate-pronto respondeu: “tome uma dipirona ou vá ao hospital mais próximo, pois pode ser uma ruptura de aneurisma ou um tumor”.
O contraste da resposta de Marco Antonio só reforça que a medicina exige contato pessoal e interação. Seremos capazes de atender nossos pacientes através de videoconferência? Essa distância que é o avesso da proximidade me causa espanto. Temos que olhar, tatear e escutar. A medicina perderá o seu talento – será fria, calculista e perversa. Como seria receber um diagnóstico de câncer através de um especialista do outro lado de um monitor? Onde estarão os abraços, os olhos fortes, entretanto marejados, a empatia e o que é mais profundo nessa relação – o amor.
Quando observo os médicos Eduardo Morsch de Mello e Gabriela Bazin atendendo meus filhos vejo como a medicina é um bordado búlgaro – basta uma palavra ou ruído no meio de algumas queixas que o diagnóstico é assertivo. Imagina a Gabriela, que também é especialista em HIV/DSTs, fornecendo diagnósticos online.
Será que os responsáveis estão pensando em redução de custos, facilidade e ampliação de acesso à saúde? Provavelmente, pois eles pensam demais. Imaginem os pacientes com dores abdominais e problemas de ereção. Uma mistura de trágico x cômico. Como iremos ampliar o acesso à saúde no Nordeste, com somente 60% da população com internet? E nossos idosos que não possuem intimidade com o botão “ligar” de um computador? Em resumo: não estamos na Inglaterra, estamos no País do Carnaval.
Falando em carnaval, fiquei pálido com o número de foliões nas ruas comemorando algo que ainda desconheço. Que tal felicidade é essa? Houve algum reajuste moral para nós? Os médicos estão cansados, imaginem os pacientes. Médico também é paciente.